Foi vice-presidente da Amazon quando a empresa estava a dar os primeiros passos. Foco no cliente foi determinante para o sucesso da Amazon, diz Colin Bryar, que está a partir de amanhã em Lisboa.
Lembra-se do Fire Phone, o smartphone apresentado por Jeff Bezos há 10 anos? Foi lançado pela Amazon para concorrer com a Apple e o Android, numa altura em que este mercado estava a acelerar. O projeto não poderia ter sido ser mais desastroso e foi descontinuado, com a empresa a desistir deste mercado. O fracasso é lembrado por Colin Bryar, antigo vice-presidente e “homem sombra” de Bezos, dono e fundador da Amazon, durante dois anos. “Às vezes é preciso reconhecer que se vai falhar”, realça o co-autor do livro Obsessão pelo Cliente, Working Backwards, que vai estar em Lisboa entre amanhã, dia 14 de maio, e quinta-feira, dia 16 de maio, com a Business Retreats para lecionar uma formação intitulada Managing Like Amazon Masterclass para CEO portugueses, reservada a uma audiência de 30 pessoas.
“Tive muita sorte por estar nessa posição por dois anos [como mão-direita e Chief of Staff de Jeff Bezos], de 2003 a 2005, um período que foi realmente interessante para a Amazon”, recorda Colin Bryar, em entrevista por videochamada ao ECO. O conhecido autor, que hoje em dia dá sessões direcionadas para líderes de empresas, recorda o momento único que viveu naquela que é uma das maiores empresas do mundo: “Não apenas estávamos a construir coisas como o que viria a tornar-se a AWS [Amazon Web Services], Amazon Prime, como o Bezos passou muito tempo a focar-se na empresa e em como construir todo o processo“, que permitiu à empresa tornar-se num caso de sucesso.
Cometemos alguns erros, mas eventualmente chegamos ao modelo que permitiu à Amazon tornar-se a empresa de sucesso que é hoje.
“Cometemos alguns erros, mas eventualmente chegamos ao modelo que permitiu à Amazon tornar-se a empresa de sucesso que é hoje”, admite Colin Bryar, lembrando que “a Amazon duplicou e triplicou de escala e voltou a duplicar e triplicar e ele [Jeff Bezos] não precisava de estar em todas as tomadas de decisão“, porque as pessoas interiorizaram a cultura da empresa, focada no cliente e assente numa linguagem simples e transparente. “[Bezos] dedicou muito tempo a focar-se nos processos internos. E foi isso que eu aprendi. Estive a ajudar a desenvolver esses processos“.
Mas o que torna a Amazon tão diferente de outras grandes empresas? “É a obsessão pelo cliente”, com uma estratégia de longo prazo. “Não se pode realmente entender como funciona a Amazon sem perceber os princípios de liderança da Amazon. E agora são 16″. Mas o que está na génese de toda a estratégia da empresa é “a obsessão pelo cliente”. O segundo princípio destacado por Bryan é a inovação. Criada em 1994, por Jeff Bezos, a Amazon está constantemente à procura de soluções inovadoras. “E quando se trata de desenvolver coisas, há vontade de inventar, o que significa que às vezes tem que se aceitar que vai falhar“. Para Bryar, não se pode ser uma empresa inovadora, que prossegue coisas novas, se nunca falhar. Isso faz parte do processo. E a Amazon não é uma exceção. Aconteceu com o smartphone lançado em 2014, o Fire Phone. Um desastre assumido e explicado na figura do CEO, que ainda disse: “Se acham que isso é um grande fracasso, estamos a trabalhar em falhanços muito maiores agora – e não estou a brincar”.
Uma empresa com receitas de 500 mil milhões de dólares tem que fazer grandes apostas e ser capaz de pagá-las. E à medida que a Amazon cresce, essas apostas precisam aumentar.
“Uma empresa com receitas de 500 mil milhões de dólares tem que fazer grandes apostas e ser capaz de pagá-las. E à medida que a Amazon cresce, essas apostas precisam aumentar”, explica Colin Bryar. Mas se o smartphone foi um projeto claramente falhado, o mesmo não se pode dizer de outras ideias lançadas pela empresa, que os analistas consideravam condenados a falhar, e que revelaram-se casos de sucesso. “Foi o caso do Amazon Web Services”, um projeto que permite pagar “uma série de outras invenções que falham”.
Crescer sem perder veia empreendedora
Outra das chaves para o sucesso, destacada por Colin Bryar, é “ter orgulho e excelência operacional, o que realmente significa acertar as pequenas coisas quando ninguém está a olhar por cima do seu ombro. Toda essa motivação tem que vir de dentro de cada funcionário, porque a maior parte do trabalho que você faz não será notado por um grupo muito grande de pessoas”. Mas, à medida que o grupo foi crescendo, a Amazon viu-se confrontada com dilemas comuns a qualquer empresa: “À medida que cresce, como se organiza de forma que, ao adicionar mais pessoas, não desacelere? A burocracia corporativa não o atrasa. Na verdade, está a acelerar a maneira como toma decisões. E também como mede diferentes negócios”, explica.
“Ele queria que a Amazon aproveitasse a sua grande escala e fizesse coisas que somente grandes empresas poderiam fazer, mas ainda assim permanecesse fiel às suas raízes empreendedoras“, acrescenta Bryar. “Os processos que a Amazon criou permitiram que fizesse as duas coisas: fazer coisas que só as grandes empresas podem fazer, mas avançar tão rápido quanto as pequenas empresas“, sintetiza.
O processo de trabalho inverso garante que o cliente esteja conosco em todas as etapas da jornada, muito antes mesmo de o produto ser construído.
Manter uma veia empreendedora, assente no cliente, com uma estratégia de longo prazo é, segundo Bryar, o que distingue a Amazon. Mas não só. Os princípios implementados por Jeff Bezos traziam eles mesmos inovação. “Jeff ajudou a criar aquele processo retroativo em que a primeira coisa que fazemos é escrever um comunicado de imprensa para o produto. E geralmente essa é a última coisa que as empresas fazem quando estão prestes a lançar um produto”, refere. Esta alteração “forçou-nos, desde o início, a descrever o produto para o cliente de uma forma que o possa entender, como se eles próprios estivessem na sala. O processo de trabalho inverso garante que o cliente esteja connosco em todas as etapas da jornada, muito antes mesmo de o produto ser construído“.
“Todas as empresas têm que descobrir em que ideias vão investir, em quais não vão investir e então realmente definir isso. E o processo de trabalho inverso ajudou-nos a construir produtos obcecados pelo cliente”, reforça. E é esta cultura que já está enraizada na empresa e na nova direção, agora liderada por Andy Jassy – Jeff Bezos deixou de ser CEO em 2021 – , que mantém a Amazon no caminho do crescimento. “Uma vez Bezos disse-me: A cultura agora é tão forte na Amazon que se quiséssemos não ser obcecados pelo cliente, não poderíamos mudar isso porque há muitos processos e decisões sobre ser obcecados pelo cliente”, aponta o antigo homem sombra do multimilionário que fundou a gigante de Wall Street.
Muitas vezes as empresas ficam presas às suas próprias ideias, mas o que realmente importa é o que essa ideia vai fazer por mim, enquanto cliente? Como vai tornar minha vida melhor?
“Muitas vezes as empresas ficam presas às suas próprias ideias”, mas o que realmente importa é o que essa ideia, essa invenção vai fazer “por mim, enquanto cliente? Como vai tornar minha vida melhor?” Ao ter que “explicar e defender essa ideia perante todos os nossos colegas de trabalho, as ideias ficaram muito melhores”.
Em relação à captação de talento, Bryar refere que “quanto mais pessoas atrai para a empresa, mais elas reforçam a sua cultura”, remata. Mas nem todos os candidatos a lugares na Amazon se encaixam no perfil procurado pela empresa. “O processo de entrevista tenta atrair candidatos que cumpram esses princípios de liderança da Amazon. Quer pessoas com experiência, mas a experiência não basta. Têm que incorporar a sua cultura central, os valores fundamentais e os princípios de liderança”.
Controlar o que está ao seu alcance
Numa análise ao que muitas vezes acontece noutras empresas, Bryar realça que algumas empresas concentram-se nas métricas de produção – receitas, preço das ações –, “sem fornecer a orientação adequada e um conjunto de ferramentas para medir as métricas de entrada”. “Se disser a alguém que trabalha hoje para aumentar o preço das ações em x por cento, não está realmente a dar nenhuma orientação, pois não sabe o que vai conseguir. Chamamos isso de instrumentação da sua empresa”, refere. Mas, se tiver “um conjunto bem definido de métricas de entrada ou coisas que pode fazer e que tem certeza de que, se fizer essas coisas corretamente, alcançará os resultados desejados“.
Olhando para a Amazon, “os líderes seniores concentram a maior parte do seu tempo nas métricas de entrada, não nas métricas de saída. Não se preocupam com as receitas desta semana ou da próxima. Preocupam-se com coisas como: Adicionamos produtos suficientes ao nosso catálogo para que os clientes possam encontrá-los e comprá-los? Podemos levá-los aos clientes com rapidez suficiente? Podemos reduzir a estrutura de custos para sermos competitivos em preço em relação a outros concorrentes?” Isto são exemplos do que se pode controlar. “Pode decidir fazer essas coisas ou não”. “Se se concentrar apenas na receita, não estará a dar às equipas as ferramentas para fazerem coisas que vão impulsionar os resultados de forma significativa, a longo prazo“, atira.
Colocar os clientes em primeiro lugar significa estar sempre a procurar soluções melhores. “Os clientes nunca estão satisfeitos. Quando lançamos o Prime e o Amazon Prime e tivemos a entrega em dois dias, uma das perguntas mais comuns no dia seguinte ao lançamento foi, bem, como faço para conseguir a entrega em um dia? E, depois de fazer isso, posso conseguir o material no mesmo dia?”, aponta o antigo vice-presidente da Amazon.
Como explica o autor, os líderes nunca podem acomodar-se, porque no dia em que o fazem é quando o negócio começa a decair. E é isto que Colin Bryar explica nas suas formações de líderes. “O que fazemos é realmente pegar no que aprendemos e ajudar a próxima geração de líderes empresariais”.
Sem fechar uma fórmula única para a criação de um negócio bem-sucedido, Bryar aponta um conjunto de ingredientes para o sucesso: “construir processos em torno da obsessão do cliente; pensamento de longo prazo; invenção e não ter medo de falhar e também aprender com suas falhas para não cometer o mesmo erro duas vezes; e então apenas acertar todas as pequenas coisas”. “Com a combinação dessas quatro coisas, pode criar-se um negócio realmente duradouro, do qual se pode orgulhar, contar aos seus filhos, aos seus netos”.
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“Para inovar às vezes é preciso reconhecer que se vai falhar”, diz ex-vice de Jeff Bezos
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